domingo, dezembro 10, 2006

Namorado: Ter ou nao ter, é uma questão


Eu tneho que sentar e escrever um monte de coisas, mas o tempo tem deixado essa dificuldade.
Segue um texto de Drummond, que é maravilhoso e é assim que quero me sentir.
bjão em todos!!

Namorado: Ter ou nao ter, é uma questão (Carlos Drummond de Andrade)
Quem nao tem namorado é alguém que tirou férias nao remuneradas de simesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namoradode verdade é muito raro. Necessita de adivinhaçao, de pele, de saliva,lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia.
Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixao é fácil.Mas namorado, mesmo, é muito difícil.
Namorado nao precisa ser o mais bonito, mas aquele a quem se querproteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio e quasedesmaia pedindo proteçao. A proteçao dele nao precisa ser parruda,decidida, ou bandoleira: basta um olhar de compreensao ou mesmo deafliçao.
Quem nao tem namorado nao é quem nao tem um amor: é quem nao sabe ogosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, umenvolvimento e dois amantes, mesmo assim pode nao ter namorado.
Nao tem namorado quem nao sabe o gosto da chuva, cinema sessao das duas,medo do pai, sanduíche de padaria ou drible no trabalho. Nao temnamorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virarsorvete ou lagartixa e quem ama sem alegria. Nao tem namorado quem fazpactos de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com afelicidade ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de durar.
Nao tem namorado quem nao sabe o valor de maos dadas; de carinhoescondido na hora que passa o filme; de flor catada no muro e entreguede repente; de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou ChicoBuarque lida bem devagar; de gargalhada quando fala junto ou descobre ameia rasgada; de ânsia de viajar junto para a Escócia ou mesmo de metrô,bonde, nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou foguete interplanetário.
Nao tem namorado quem nao gosta de dormir agarrado, fazer sestaabraçado, fazer compra junto. Nao tem namorado quem nao gosta de falardo próprio amor, nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outrodentro dos olhos dele, abobalhados de alegria pela lucidez do amor. Naotem namorado quem nao redescobre a criança própria e a do amado e saicom ela para parques, fliperamas, beira d'água, show do MiltonNascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical na Metro.
Nao tem namorado quem nao tem música secreta com ele, quem nao dedicalivros, quem nao recorta artigos, quem nao chateia com o fato de o seubem ser paquerado. Nao tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta semcurtir; quem curte sem aprofundar. Nao tem namorado quem nunca sentiu ogosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada oumeio-dia de sol em plena praia cheia de rivais. Nao tem namorado quemama sem se dedicar; quem namora sem brincar; quem vive cheio deobrigaçoes; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele. Nao temnamorado quem confunde solidao com ficar sozinho. Nao tem namorado quemnao fala sozinho, nao ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.
Se você nao tem namorado porque nao descobriu que o amor é alegre e vocêvive pesando duzentos quilos de grilos e medos, ponha a saia mais leve,aquela de chita e passeie de maos dadas com o ar.
Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricçoesde esperança. De alma escovada e coraçao estouvado, saia do quintal desi mesmo e descubra o próprio jardim.
Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de suajanela.
Ponha intençoes de quermesse em seus olhos e beba licor de contos defada. Ande como se o chao estivesse repleto de sons de flauta e do céudescesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falantea dizer frases sutis e palavras de galanteria.
Se você nao tem namorado é porque ainda nao enlouqueceu aquele pouquinhonecessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido.Enlou-cresça.

sábado, dezembro 02, 2006

O Amor


O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato.
O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço.
O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina. O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina. O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água. O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel. O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré.
Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso. O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta.
Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala. O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.
(João Cabral de Melo Neto)